No grito da torcida palmeirense, o reconhecimento de um time tão forte quanto apaixonante
Jogadores do Palmeiras comemoram a conquista da Libertadores em 1999
Foto: Alexandre Battibugli
Verdão conquistou a América em 1999
Parecia que não ia dar. No primeiro tempo um desgraçado 0 x 0, obrigação de marcar dois gols para reverter a vitória do Deportivo Cali na Colômbia, equipe nervosa. O segundo tempo começa, o Palmeiras se atrapalha com a bola e, como num passe de mágica, um pênalti a favor do Verdão. Gol de Evair, felicidade no Parque Antártica. E aí veio o gol colombiano. Parecia que não ia dar. Mas Oséas desempatou em grande jogada de Júnior. E aí só restavam os pênaltis, os mesmos pênaltis que tiraram o Palmeiras da Copa do Brasil cinco dias antes. Parecia que não ia dar. Mas deu, uma vitória palmeirense por 4 x 3 e o título inédito de Campeão da Libertadores 1999.
E pensar que houve quem não acreditasse mais no título, quando o time tropeçou na Primeira Fase. Aquelas derrotas para Corinthians e Olimpia não estavam mesmo nos planos. Ficar em segundo lugar então era o prenúncio da tragédia, pois o regulamento empurrava o Palmeiras para uma disputa contra o Vasco, o poderoso campeão da Libertadores 1998. Neste momento, questionou-se se todo o investimento da Parmalat não tinha sido exagerado. Será que teria valido mesmo a pena trazer veteranos como Evair e Rivarola? Será que o carrancudo Luiz Felipe Scolari era mesmo o nome certo para levar o time à frente na competição?
Para esta última pergunta, a mais importante, havia uma resposta. Sim, Felipão era o nome. “Vamos jogar como homens. Vamos decidir”, disse o técnico, pouco antes de o time entrar em São Januário para o jogo com o Vasco. Logo aos 3 minutos, 1 x 0 Vasco. Qualquer equipe estaria morta. Mas o Palmeiras tinha seus homens em campo. Nascia ali a mística do time da virada. Sem se abalar com a desvantagem, Alex, Paulo Nunes, Oséas, entre outros, humi-lharam os cariocas e fizeram 4 x 2.
O time que voltou do Rio de Janeiro com a classificação era outro. Estava encantado. O Palmeiras seguia em frente. Fazia milagres na Copa do Brasil e no Campeonato Paulista. Depois de eliminar o Vasco, o regulamento, ele outra vez, trouxe o Corinthians de volta ao caminho palmeirense. No mais completo bombardeio da temporada, os atacantes alvinegros bateram de frente numa parede chamada Marcos. Os peladões Dinei (travessão) e Vampeta (nas mãos de Marcos) perderam seus chutes e o Palmeiras continuou sua marcha.
Logo as viradas estavam de volta. O time perdeu para o River Plate, da Argentina, no primeiro jogo, por 1 x 0. Ninguém se abalou. Cerca de 32 000 pessoas tiveram o privilégio de ver à sua frente uma exibição maravilhosa do meia Alex no Parque Antártica. Ele fez dois gols e jogou tanto que até os arrogantes argentinos foram cumprimentá-lo após a partida. Foi 3 x 0, fora o baile. Como estranhamente acontece com este Palmeiras, os fatos se repetiram. A exemplo do que acontecera com o River, a primeira partida acabou 1 x 0 para o adversário. Da mesma forma, o Palmeiras que retornou de Cali desembarcou em São Paulo com a sensação de quem iria virar no segundo jogo da Final. E virou.
Marcos comemora a defesa de um pênalti contra o Deportivo Cali
Foto: Roberto Pallatta
São Marcos comemora a defesa de mais um pênalti, contra o Deportivo Cali
Os sete samurais
Se o Japão deixou de ser um sonho, o torcedor palmeirense, campeão da América pela primeira vez, deve muito a um grupo de guerreiros especiais. Quando desembarcarem em Tóquio, provavelmente no dia 20 de novembro, os jogadores do Palmeiras estarão a dez dias da partida contra o Manchester United, da Inglaterra, na decisão do Mundial Interclubes. Será a última etapa de uma longa caminhada que começou em fevereiro, na vitória de 1 x 0 sobre o Corinthians, e teve o seu passo mais importante em 16 de junho, numa noite inesquecível. O Palmeiras venceu os colombianos do Deportivo Cali duas vezes. Por 2 x 1 no tempo normal e por 4 x 3 nas cobranças de penalidades.
Em meio à festa no gramado, sete homens de verde sabiam que, por razões diversas, tinham muito a comemorar. A conquista da Libertadores foi a afirmação de Luiz Felipe Scolari como o mais carismático técnico do clube desde Oswaldo Brandão, na década de 70; a glória para o atacante Paulo Nunes, elevado à condição de salvador do time; a justiça para um jogador tão cobrado como o meia Zinho. Levantar a taça também teve gosto especial para o volante César Sampaio, o meia Alex, o zagueiro Júnior Baiano e o goleiro Marcos. Claro, todos os jogadores do elenco contribuíram para chegar a esse título inédito Mas, como se verá nas próximas páginas, estes eram sete homens e um destino.
Felipão comemora a conquista da Libertadores da América
Foto: Rogerio Montenegro/Veja SP
emocionado, o sargento Felipão fala em ficar mais 30 anos no Palmeiras
Felipão: o sargento boa praça
Depois das batalhas na Libertadores, Paulista e Copa do Brasil, Luiz Felipe era um dos primeiros a chegar ao vestiário. Ele fazia questão de estar à porta quando os jogadores aparecessem. A cada um, estrela ou reserva, Felipão reservava um agradecimento, seguido de um abraço e um beijo no rosto. Não é bem a imagem que você tinha do “sargentão” do Palmeiras, não é?
O Felipão da caricatura seria o cara que sai vociferando após a derrota. O Felipão de verdade não joga contra. “Tudo bem. Dá para reverter”, disse o técnico, tranqüilizando os jogadores após os primeiros jogos com o Vasco, com o River, com o Deportivo, enfim, sempre que preciso.
Menos do que nas palavras, Felipão ganha nos gestos. Libertadores conquistada, ele foi renegociar o seu contrato. Não pediu aumento no salário de 150 000 reais. Para ficar no Palmeiras até o final de 2000, como acabou acertando, exigiu que clube e patrocinadora reajustassem o salário de toda a comissão técnica.
“O verdadeiro Felipão é diferente daquele que as pessoas estão acostumadas a ver”, diz Luiz Santoro, da produtora Memória Magnética. Junto com o cinegrafista Flávio Tirico, Santoro gravou os bastidores do time na Libertadores. A experiência virou um documentário em vídeo e rendeu uma admiração pelo técnico. “Ele parece um pai para os jogadores.”
Marcos: em boas mãos
Dizem que o goleiro não tem nada a perder numa decisão por pênaltis. “O que é isso?! Nunca mais quero passar por um sofrimento desses!”, responde o goleiro Marcos. “Se eles acertam todas e eu não pego nenhuma?” Não pegou, mas eles não acertaram todas e o Palmeiras ficou com a faixa e Marcos, com o título de melhor jogador da Libertadores
Marcos é assim mesmo. Não se engana com as aparências. Assim que salvou o time contra o Corinthians, no 2 x 0 nas Quartas-de-Final, já foi avisando que não faria milagres a toda hora. Também não ficou deslumbrado quando Zagallo, então técnico da Seleção Brasileira, o convocou para um amistoso contra a Lituânia, em 1996. Sabia que era efêmero, pois só estava jogando no Palmeiras porque o titular Velloso tinha se contundido. Agora que virou ídolo não esquece do amigo. Dedicou o título a Velloso e já pediu para continuar usando a camisa 12.
César Sampaio: a paz do senhor
O volante César Sampaio sempre tinha um companheiro por perto nas concentrações: o seu miniteclado eletrônico. Era com ele à mão que Sampaio puxava os cânticos nos cultos que promovia entre os jogadores. Tratada jocosamente por alguns jornalistas e torcedores, a demonstração de fé teve um papel importante na campanha da Libertadores. “Deus ajudou a manter a união do grupo”, diz o volante.
Quando se sabe que o Palmeiras ficou cerca de oitenta dias (quase três meses!) concentrado no primeiro semestre, não se pode desprezar o perigo de queixas virarem escândalos. E se a palavra de Deus não chega é hora de recorrer à voz dos homens. Ao ver que o técnico Luiz Felipe reclamava em público do time que perdeu de 5 x 1 para o São Paulo, César Sampaio fez chegar ao chefe que ninguém estava fazendo corpo mole e que todos queriam uma coisa só: vencer. Não se falou mais disso deste então.
Júnior Baiano: cabeça feita
Oséas, Júnior e Júnior Baiano são três conterrâneos que gastam boas horas juntos na concentração preparando coreografias de gols. Artilheiro, Oséas sempre é quem ensaia mais os passos. Nesta Libertadores, porém, ninguém dançou tanto quanto o zagueiro Júnior Baiano. Foram cinco gols que o transformaram, surpreendentemente, no artilheiro do clubena competição. E todos de cabeça. Sem dúvida, um bom cartão de visitas para enfrentar a batalha aérea contra os atacantes do Manchestes United na Final do Mundial Interclubes, dia 30 de novembro.
Paulo Nunes: o salvador
Já tinha torcedor se conformando com o pior, quando o atacante Paulo Nunes fez a promessa no vestiário, pouco antes do jogo com o Vasco, em São Januário. “Se sobrarem duas bolas pro Paulo, uma ele faz”, disse, assim mesmo, na terceira pessoa. Com uma atuação decisiva – e o gol prometido – Paulo Nunes ajudou na no 4 x 2 sobre o ex-bicho-papão da Libertadores. Se o time ganhou moral com a vitória avassaladora, mais ainda lucrou Paulo Nunes, que deixou de ser contestado pela torcida e virou o homem da salvação nos piores momentos.
Alex: o terror dos gringos
Alex já parou para pensar e ainda não encontrou a resposta.Por que ele joga tanto contra times sul-americanos? Na Mercosul, ano passado, ele foi o artilheiro do time com seis gols. Na Libertadores, fez quatro, o que não é pouco. Felipão pode ser a resposta. O técnico guardou uma palavra para o meia antes dos jogos contra os nossos vizinhos. Na segunda partida contra o River Plate, em São Paulo, Felipão deu uma orientação simples. “Se tu aceita a provocação, eles ganham. Se tu joga a tua bola, nós ganhamos.” Fim de jogo: Palmeiras 3 x 0, dois golaços de Alex.
Zinho: justiça histórica
Na hora, ele jura que nem pensou nisso. Mas depois da festa o sentimento bateu forte. “Se o Palmeiras perdesse a Libertadores, ninguém iria lembrar do que fiz pelo clube. Só do pênalti perdido”, reconhece o meia Zinho, que mandou a sua cobrança no travessão. E Zinho fez muito. Foi um dos líderes entre os jogadores. Puxava as palavras de ordem no vestiário. Ele mesmo, porém, mantinha a calma, a ponto de, minutos antes de o time entrar no campo para a Final, estar num canto fazendo a barba. Algo justificável para quem tinha um encontro marcado com a História.
Textos originalmente publicados na Revista PLACAR Ed 1152A (junho/1999)